A ArcelorMittal transferiu sua sede no Rio de Janeiro para o centro da cidade, escolhendo o Edifício Brasília para instalar seus escritórios. O prédio é tombado, e foi projetado originalmente para lojas, escritórios e apartamentos. A sala ocupada pela empresa, localizada no oitavo andar do edifício, era originalmente um dos apartamentos, com vista de frente para o Aterro do Flamengo e para a Baía de Guanabara, assim como, nos fundos, para o interior de um grande miolo de quadra.

Em lugar de, como é habitual nestes casos, fazer tábula rasa num espaço existente aparentemente descaracterizado para inserir um programa geralmente tido como banal (baias de escritórios, salas de reunião, copa, etc.) alheio ao lugar, a intervenção realizada parte de traços da arquitetura original –pouco evidentes, mas identificados após levantamento de documentação histórica–, para proporcionar ambientes de trabalho que dialogam com vestígios do antigo apartamento, inseridos num espaço dinâmico, com abundante iluminação natural, rico em texturas, materiais e cores, e que também aproveita as condições excepcionais da sua localização.

O edifício Brasília foi construído na década de 1930, no início do processo de verticalização do centro do Rio de Janeiro, possibilitado entre outros fatores pela introdução e crescente popularização do uso do concreto armado na cidade. Também caraterístico desse contexto é o fato de ter sido projetado por arquitetos formados no âmbito da cultura arquitetônica europeia, que como muitos profissionais estrangeiros foram responsáveis pelas principais transformações urbanas e arquitetônicas da capital.

O projeto do edifício é do arquiteto Arnaldo Gladosh associado ao escritório Viret & Marmorat, sendo reconhecível a presença da mão do primeiro na concepção da fachada, por parentesco da mesma com outras fachadas de obras de sua autoria, como o Edifício Sede do IAPI (1943) ou o Edifício Sul América (1938), ambos em Porto Alegre.

No entanto, nosso projeto de reforma para a sede da ArcelorMittal no Rio de Janeiro se concentra apenas nos interiores, tema não menos relevante para Gladosh. Para o arquiteto, tal como escreveu no artigo “A moradia”, publicado na revista “A casa”, em 1926, “o valor real de uma moradia, conforto e bem estar do futuro morador não está nas fachadas e outras partes externas da casa. Estas são de importância muito secundaria, para não dizer logo, nullas, comparadas com o interior do predio.” No artigo, o arquiteto discorre sobre como elaborar o projeto de uma casa, fazendo ênfase em questões funcionais e de higiene (questões que também teriam repercussão estética, ainda que não explícito no texto):

“Muito mais aconselhavel são os amplos armarios […] encaixados nas paredes, […] que evitam a accumulação de pó, teias de aranha, etc., inevitaveis nos moveis hoje geralmente usados, estreitos e incommodos”, afirmava Gladosh num trecho. Em outro, explicava que “sempre que fosse possivel [o dormitório] deveria ter accesso directo a um terraço onde se pudesse expôr ao ar e ao sol a roupa de cama, travesseiros, colchões, etc. além de facilitar a limpeza dos tapetes e escovar outros objectos.” O texto mostra a proximidade do arquiteto –recém-formado e recém-chegado da Alemanha na data– com temas modernos, ainda pouco difundidos na cultura arquitetônica brasileira naqueles anos, com os quais Gladosh provavelmente se familiarizou durante sua formação na Technische Hochschule de Dresden.

Gladosh ilustrou as ideias desse artigo com o projeto que ele fez para a casa de seu pai. Como se pode ver em plantas antigas do Edifício Brasília e em alguns elementos do que ainda restava de elementos originais no espaço existente –e apesar das diferenças de escala e de tipologia que há entre uma casa e um apartamento–, é possível observar que algumas das ideias para “a moradia” de Gladosh podem ter permanecido no projeto dos apartamentos do prédio. Alguns armários “encaixados nas paredes” ainda estavam no local, e é possível perceber que originalmente existia um pequeno “terraço” junto à área de serviço, que deve ter servido para “expôr ao ar e ao sol a roupa de cama, travesseiros, colchões, etc. além de facilitar a limpeza dos tapetes e escovar outros objectos”.

Dois dos armários embutidos foram transformados em lockers para os funcionários, em memória daquele espaço de armazenamento de pertences que evitava móveis “incommodos”, e o terraço foi transformado numa jardineira, estendida ao longo de toda a fachada de fundos, em memória daquele lugar exposto ao “ar e ao sol”, introduzindo no interior um certo caráter de área externa. Por outro lado, o novo jardim interno dos fundos equilibra o excessivo protagonismo que a fachada frontal tem, com vista privilegiada jardim do Aterro do Flamengo. Assim, todos os ambientes de trabalho se encontram entre esses dois jardins, desde aqueles tradicionalmente mais privilegiados, como as diretorias ou a sala de reunião principal, até aqueles normalmente menos privilegiados, como os espaços trabalho do resto de funcionários ou a copa.

A distribuição geral possibilita a integração visual de todos os ambientes, que recebem luz das duas fachadas, ao tempo que fica resguardado o isolamento necessário de determinados ambientes por meio de divisórias de vidro acústico com persianas embutidas. Os materiais e acabamentos surgem do encontro de traços do existente com aquilo que poderia ser atribuído à identidade da empresa. Assim, alguns pilares foram descascados e deixando à vista a sua construção em concreto aparente, e outros foram pintados com cores caraterísticas da empresa. A partir destes últimos criamos círculos que estendem a cor até o piso por meio de um carpete colorido e aveludado, e que no caso das salas de reunião menores também configura a forma dos ambientes. Também nas duas fachadas removemos o emboço, deixando à vista os tijolos, que foram apenas pintados e que evidenciam a existência de uma alvenaria recente com fragmentos de parede aparentemente originais.

Prêmios:

Premiação Anual do IAB-RJ 2024, Menção Honrosa na Categoria Arquitetura de Interiores-Comercial

Projeto de arquitetura:

Fernando Delgado, Isabela Canêdo, Renan Vargas

Localização:

Av. Rio Branco, 311, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Data início:

2023

Data finalização:

2024

Área construída:

209m²

Fase:

Projeto construído

Construção:

Corbis Engenharia

Marcenaria:

Fim Planejados

Mobiliário e divisórias:

Mobile

Desenhos