A loja ocupa parte de uma antiga casa localizada no centro da cidade de Muriaé, na primitiva Rua Direita. Seguindo as transformações urbanas características do centro de muitas cidades, as residências deram lugar ao comércio. A casa original foi totalmente alterada há décadas, sendo dividida em fatias que passaram a funcionar como lojas de aluguel. Entretanto, a construção ainda preservava vestígios valiosos de sua história e da história da cidade que buscamos manter e revelar por meio de transformações. Assim, o novo espaço da loja surge do encontro desses fragmentos de história do lugar com as novas intervenções propostas.

I – O QUINTAL

Nos fundos da loja existia um quintal, que pertencia à antiga casa e que no momento em que foi dividida para aluguel foi deixado sem uso, resultando, como acontece habitualmente, num fundo de lote abandonado. Com o tempo, a vegetação espontânea cresceu, e ainda é possível imaginar o antigo pomar da casa pela presença de um mamoeiro e duas goiabeiras. Por outro lado, a configuração da casa no lote ilustra uma situação bastante comum de muitas cidades brasileiras, reflexo da ocupação urbana colonial: uma casa com uma fachada frontal voltada para a rua, de caráter mais público, nobre e social, e um quintal de fundos, de caráter mais privado, oculto e de serviços. Também em oposição, e também evidente neste caso, a rua é ordenada geometricamente, uma linha reta abstrata, eixo fundador da cidade e símbolo de domínio territorial. O quintal, um lugar onde predomina a natureza espontânea, imprevisível, selvagem, com presença de árvores, plantas e animais.

Esses quintais, antes esquecidos e abandonados, são hoje lugares de valor inestimável numa cidade inóspita. Quintais como o dessa casa são lugares de abundante vegetação, sombreados, sossegados, e protegidos de uma rua cada vez mais asfixiada e poluída. No projeto buscamos recuperar esse jardim “secreto”, “oásis” urbano, carregado de valor ambiental e também de valor simbólico enquanto lugar de resistência natural e espaço de memória de costumes populares e modos de morar.

II – OS NÍVEIS

Um lugar aberto e receptivo, que possibilite encontros, sentar para um café ou um bolo, para além da simples compra de roupa. Assim foi imaginada a loja, e por isso queríamos aproveitar a proximidade do quintal da rua principal da cidade. Entretanto a loja existente estava no nível da antiga casa, alguns degraus acima da rua, e alguns ambientes como o estoque, ou o escritório, de acesso restrito, ocupavam os fundos, obstaculizando o acesso ao quintal.

Após um difícil levantamento da caótica estrutura do telhado, que se encontrava inacessível e oculta acima do forro, verificamos que seria possível fazer dois andares aproveitando a altura total do espaço acima do forro e sem alterar muito a estrutura do telhado, para não ultrapassar o orçamento. Assim, o telhado foi mantido, com pequenas modificações, e foi possível colocar num andar superior estes usos de acesso restrito, além de um provador para atendimento personalizado. Além disso, descemos o piso da loja existente para o nível da rua, ganhando mais altura no espaço interno e deixando-o mais próximo da calçada.

III – A LOGGIA

A loja existente era bastante comprida e estreita, de apenas 4m de largura. Como nas outras lojas das outras fatias da casa, e como é comum em outros casos de lojas compridas e estreitas, o espaço aberto ao cliente ocupava a parte frontal, e as áreas de acesso restrito os fundos. Em lugar de ocupar o espaço desta forma, deixamos aberto o térreo todo, incluindo o quintal. E em lugar de fazer o mezanino recuado da fachada, com um pé-direito maior na entrada, como é habitual, recuamos o mezanino de uma empena, deixando o pé-direito maior numa lateral, ao longo da loja toda.

Ao abrir esse espaço para entrada de luz, criamos um jardim na parte inferior da claraboia que, junto com a sequência de pilares do mezanino, afastados da parede, remetem a um espaço externo onde o mezanino funciona como uma loggia, um espaço de encontro entre interior e exterior, um espaço tanto de estar como de circulação entre a rua e o quintal.

IV – A CONSTRUÇÃO

Chapas e peças metálicas industriais instaladas no lugar artesanalmente por um serralheiro formam a maior parte da construção, assim como da escada e dos expositores, que projetamos especificamente para a loja. Desta forma, conseguimos adaptar asses elementos standard à complexidade da cobertura existente e da geometria imprecisa do local, e atingimos a agilidade e baixo custo que um empreendimento comercial num imóvel de aluguel exige. Também conseguimos assim acabamentos que são fruto desse trabalho manual na superfície e nos cortes das chapas. O granilite que usamos no piso é convencional, feito no local com uma receita de cor específica para a loja. O resto, em sua maioria, são elementos existentes, que em alguns casos apenas pintamos, como os antigos tijolos maciços das fundações da casa original, que ficaram à vista na parte inferior das paredes ao ter descido com o piso da loja, ou a estrutura remendada ao longo do tempo –e por nós– do telhado.

Projeto de arquitetura:

Fernando Delgado, Isabela Canêdo, Renata Esteves

Localização:

Rua Barão de Montealto, 67, loja 5, Muriaé-MG, Brasil

Data início:

2020

Data finalização:

2021

Área construída:

131m²

Área total:

167m²

Fase:

Projeto construído

Paisagismo:

Eduardo Chagas (Seiva)

Serralheria:

Sandy Carlos

Fotografias:

Daniel Ducci

Desenhos