O estado em que se encontrava o apartamento mostrava um histórico de contratempos e adversidades. Por exemplo, o mezanino metálico parecia um pouco improvisado. Foi feito em altura incompatível com a posição das janelas, cortando-as, e o piso estava sem acabamento, desnivelado. No banheiro superior a obra parou em algum momento e foram deixadas algumas instalações soltas nas paredes, que também não estavam acabadas. Ainda assim, o casal de arquitetos responsável pelo projeto do prédio morava no apartamento desde que foi construído, há dez anos. O apartamento acabou sendo vendido, e o novo proprietário pretendia reformá-lo para aluguel de temporada, ou quem sabe morar um dia, com um orçamento muito limitado.
Em lugar de “consertar” propriamente as gambiarras, o que seria muito custoso, fizemos pequenas modificações que em alguns casos fizeram dessas gambiarras, agora transformadas, elementos caraterísticos do interior. Em outros casos, tiramos o acabamento de partes finalizadas para deixar aparentes algumas gambiarras que tinham sido ocultadas. E em outros casos fizemos novos remendos para solucionar problemas de maneira econômica, deixando-os aparentes. Desta forma, retalhos foram se somando, muitos deles feitos no decorrer da obra e não previstos no projeto, incorporando materiais e detalhes resultantes da breve mas conturbada história deste espaço, incorporando seus contratempos, adversidades e imprevistos, tanto de obras passadas como da própria obra. Assim, o ambiente interior resulta dessa sobreposição e diálogo de elementos novos e elementos existentes, tanto aqueles reaproveitados e previstos no projeto inicial como aqueles descobertos e projetados no decorrer do processo de obra.
O pedaço de uma janela que invadia o mezanino foi emoldurada criando um banco, pintado de verde junto com uma prateleira que surgiu de uma caixa de gesso que esconde uma descida de água pluvial. O forro do banheiro inferior foi removido, deixando à vista chapas remendadas que serviram para sustentar a laje desse teto. No teto da entrada, que não existia laje, construímos uma nova para ampliar o banheiro superior da maneira mais rápida e econômica, uma nova laje diferente das outas existentes, mediante vigas de aço e placas cerâmicas, que também deixamos aparentes. No banheiro superior e inferior tiramos caixas de gesso que ocultavam as instalações, deixando os canos aparentes e o espaço mais amplo, agora também com luz natural por meio de grandes janelas de vidro translúcido, que no caso do banheiro superior se abrem para permitir que a vista da grande janela do pé-direito duplo chegue até o chuveiro. O gesso também foi removido da laje do teto e dos pilares, deixando à vista, dentre outras imperfeições da execução da laje, as marcas do buraco que foi deixado em cima da escada para permitir que esta continuasse subindo até a cobertura do prédio, que pertence ao apartamento, uma conexão que foi prevista, mas que nunca foi executada.
Pequenos reforços na escada, que estava debilitada, possibilitaram seu reaproveitamento, e um acabado flexível e econômico de plástico no piso do mezanino possibilitou seu nivelamento e evitou o descarte da subestrutura existente, o que, junto com outros reparos menores, conseguiram viabilizar a instalação de uma nova cozinha compacta que inevitavelmente teria que substituir a anterior, que se encontrava muito deteriorada com apenas dez anos de uso.
Projeto de arquitetura:
Fernando Delgado, Isabela Canêdo, Renan Vargas (Studio Fi)+ Marta Delgado