O apartamento faz parte de um dos muitos prédios que foram construídos na rápida verticalização do bairro de Ipanema, nos anos 70/80. Os cômodos são todos voltados para uma fachada lateral, de onde se vê em primeiro plano um outro prédio da mesma época, no meio de uma imensidão de tantos outros semelhantes.

Esta situação, típica do bairro, fez com que Tom Jobim cantasse “minha janela não passa de um quadrado / a gente só vê Sérgio Dourado”, parodiando a famosa “Carta ao Tom 74” de Vinicius de Moraes, música da Nascimento Silva 107. A canção mostra a desilusão com o processo de modernização brasileiro, que um tempo atrás animava a Bossa Nova como promessa de felicidade.

O aborrecimento do Tom é compreensível: janelas que não passam de um quadrado e repetitivas resultaram em prédios mais econômicos, e também em vendas excelentes para as construtoras e imobiliárias como a Sérgio Dourado. Porém, os moradores ficaram com fachadas insignificantes, monótonas, e espaços internos de pouca qualidade.

Como os clientes não queriam fazer obra nos quartos, nossa atuação se voltou principalmente ao resto do apartamento, onde criamos novos espaços que surgem, em particular, da manipulação das janelas existentes. No apartamento original cada cômodo possuía apenas uma janela, e cada janela era a que se convencionou para esse cômodo: banheiros com janelinha alta, cozinha com janelas médias, sala com janelão; quarto de serviço sem janela!).

Na nossa proposta cada janela perdeu seu vínculo com o cômodo, integrando o conjunto de área de serviço-cozinha-sala, e até o banheiro social, resultando num ambiente amplo e bem iluminado, com várias janelas de diversos tamanhos e alturas. O móvel de parede que abraça as janelas, junto com o as bancadas, mesa e sofá construídos em concreto, criam espessura nessa fachada interna que se torna dinâmica, sendo suporte para objetos pessoais e permitindo a aproximação das janelas ao uso cotidiano, seja nas bancadas ou nos assentos que ficam junto a elas. O banheiro social, que tinha problemas de infiltração, foi reconstruído, mas girado em relação à sua posição original, ampliando o acesso principal do apartamento e permitindo que o interior do banheiro compartilhe luz e ventilação com a sala, por meio de uma janela para um jardim interno.

As únicas paredes internas novas, as do banheiro social, foram construídas em tijolo maciço, na tentativa de tornar menos apáticos os interiores deste tipo de apartamentos. Para isso contribuem também outros materiais propostos, como os móveis de madeira natural, o concreto e cimento queimado dos móveis construídos, o sofá e rack projetamos especificamente para o apartamento a partir de pranchas de madeira sucupira reaproveitada que os clientes tinham, ou os revestimentos das áreas molhadas, como os pisos em cerâmica artesanal, as paredes de ladrilho hidráulico, ou as bancadas de granito escovado.

Projeto de arquitetura:

Fernando Delgado, Isabela Canêdo, Renata Esteves, Renan Vargas

Localização:

Rua Barão da Torre, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Data início:

2021

Data finalização:

2023

Área construída:

91m²

Fase:

Projeto construído

Construção:

Estrutural Miranda

Marcenaria:

Nilson José de Paula

Fotografias:

André Nazareth

Desenhos