Afastada da cidade, a casa devia ser de construção simples e ter áreas externas amplas, que devia servir não apenas de moradia de um casal quase aposentado, mas também para aproveitar esta nova etapa da vida para reunir, ainda com mais frequência, família e amigos. Devia ser uma casa festiva, com espaço para juntar muitos convidados e para hospedar visitas, mantendo ao mesmo tempo uma escala doméstica para o uso cotidiano.
As principais caraterísticas do projeto giram em torno de três temas recorrentes na arquitetura, que tiveram especial importância neste caso:
I – MOVIMENTOS DE TERRA
Qualquer um que pense em fazer uma construção em encostas enfrentará o problema de criar superfícies planas. Neste caso, o casal queria uma só e grande, apesar da topografia acidentada do local, para fazer uma casa térrea, com áreas de jardim acessíveis, no mesmo nível, e por isso fizeram uma terraplanagem enorme antes de começar o projeto. Desta forma, os movimentos de terra criaram uma grande área de solos expostos, onde a casa devia ser construída. Essa área, perdeu já pouca vegetação existente e ainda demorará para recuperar sua fertilidade.
II – PILARES
Nesse contexto de topografia já modificada começamos a imaginar a estrutura da casa. Para isso, pensamos em usar dormentes de madeira antigos que sabíamos que os clientes já tinham para criar a estrutura que organiza toda a casa. Porém, essa estrutura principal não era da casa propriamente, mas sim de um jardim do qual surge a casa: um grande pergolado vegetal sustentado por pilares de dormentes. Esses dormentes de madeira foram extraídos há muitos anos de árvores centenárias, foram tratados com produtos tóxicos, e deitados na horizontal para construir ferrovias. Ou seja, esses dormentes serviram para criar superfícies planas com a mesma finalidade da esplanada da casa: tornar eficiente o deslocamento horizontal, seja dos moradores da casa, seja do trem. Na casa, entretanto, os dormentes foram reerguidos –em memória dos troncos de árvore que foram uma vez–, e servirão novamente de suporte –como já serviram em vida–, para plantas epífitas, como orquídeas ou bromélias, plantas que vivem sem contato com a terra, agora degradada pelas escavações, e que apenas surgem em florestas sob a sombra de árvores como aquelas que foram cortadas para fazer os dormentes. Assim, o primeiro jardim da casa surge da criação artificial de condições que permitem a vida de plantas caraterísticas de florestas maduras, que levariam dezenas ou centenas de anos para brotar de maneira natural, enquanto o resto do terreno irá recuperando sua fertilidade com um novo jardim.
III – MUROS E TELHADOS
O pergolado foi disposto em “L” na esplanada, unindo por meio de uma galeria dupla de pilares a construção principal e o anexo de hóspedes. Esta disposição criou também a delimitação de uma área entre o pergolado e o grande talude da escavação, configurando assim duas grandes regiões na esplanada, uma frontal aberta à vista e um pátio mais protegido. A partir do pergolado surge o resto da estrutura da casa, composta por dois tipos de estrutura simples e em contraste: um telhado de estrutura metálica leve que apoia em pesados muros de pedra e concreto. Entre esses muros colocamos os ambientes de caráter mais fechado, como banheiros, depósitos ou varandas íntimas. O resto de áreas de convívio e estar ficam fora dos muros, com pé-direito alto e grandes aberturas ao exterior. Os muros, de construção artesanal e com arcos, quase que parecendo existentes ou descobertos na escavação, dificultam junto com outros elementos, como a piscina curva, a percepção da estrita modulação de toda a casa, criada a partir do comprimento standard dos dormentes, 2,80m, que serviu para simplificar a construção, possibilitando padronizar numerosos elementos como peças metálicas ou esquadrias, e repetir processos durante a execução da obra.